Cai resistência de proprietários para locação universitária
Com 13% dos universitários brasileiros concentrados na região metropolitana de São Paulo, a locação de imóveis para esse público tem se tornado um nicho em expansão. O segmento é especialmente atrativo para quem possui unidades próximas a universidades.
No ano 2000, as matrículas em faculdades locais giravam em torno de 450 mil. Em 2015, o número ultrapassou um milhão, segundo o Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior (Semesp). Parte dos estudantes vem do interior ou litoral paulista e de outros Estados.
O aumento da demanda coincide com a mudança de opinião sobre esse tipo de cliente.
A visão de estudantes como maus inquilinos já não é tão forte entre proprietários, afirma Jaques Bushatsky, do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP). “A ideia de que fazem muitas festas e não têm comprometimento com a conservação do apartamento virou um mito.”
Além disso, esse público pode trazer vantagens. Se a locação for individual, estipulando um preço para cada morador, por exemplo, o valor final tende a ser maior do que se o imóvel fosse locado para uma família.
É o que faz Gisele Sales, de 37 anos. Ela aluga um apartamento de 70 m² no Butantã para seis estudantes. Cada morador paga R$ 550, fora os gastos mensais, que são de responsabilidade deles. “No início, eu fazia pacote completo, mas percebi que a conta de energia vinha altíssima, aí mudei de estratégia”, diz.
Há dois anos, a funcionária pública começou a ter dificuldades para pagar o financiamento imobiliário. Foi aí que voltou a morar com a mãe e teve a ideia de alugar para alunos da Universidade de São Paulo (USP), a poucos metros dali. A nova renda cobre as obrigações com o banco e parte de suas despesas.
Não foi só a proximidade com a USP que levou Gisele a fazer essa opção. “Se alugo para uma família inadimplente, fico sem o valor cheio. Com seis estudantes diferentes, esse risco é menor.” Minimiza, também, o risco de desocupação. “Até hoje, nunca ficou vazio.”
A chance de vacância é realmente menor, concorda a advogada Daniele Akamine, da consultoria Akamines Negócios Imobiliários. Mas ela alerta: “É um negócio sazonal, com aumento de 35% da procura entre janeiro e março e em julho e agosto, época das matrículas.”
Quem desiste de um dos 15 apartamentos administrados por Roberta Amaral, 50 anos, nas redondezas da Avenida Paulista, precisa avisar com 30 dias de antecedência. Esse é apenas um dos pontos firmados em contrato, que exige, ainda, caução de três aluguéis.
A devolução da garantia só ocorre após vistoria. “Se está tudo como combinamos, devolvo o valor reajustado pela poupança”, conta Roberta. As regras de convivência, como proibição de festas e barulhos, também estão no documento.
Tuany Oliveira, de 28 anos, é uma das moradoras. A doutoranda divide casa com mais três colegas e afirma que nunca teve problema com os vizinhos. No máximo, um “puxão de orelha” via Whatsapp, onde condôminos têm um grupo para recados.
No prédio de sete andares há apenas três famílias, todas as demais unidades são ocupadas por jovens que estudam na região. Os apartamentos de 70 m², com dois quartos, são alugados por R$ 2.200 e comportam, no máximo, quatro pessoas.
Tuany fala que o fato de o edifício não ter porteiro e contar poucas áreas comuns diminui o custo com a taxa de condomínio. “Passamos o dia fora, trabalhando e estudando, não valeria a pena pagar por um lugar com academia, piscina, salão de festas e de jogos.”
Documentação. A advogada Daniela Cozzo, do escritório Adib Abdouni, lembra que a negociação com universitários geralmente não se encaixa nos casos comuns de locação. Daí a necessidade de pensar um contrato que contemple as especificidades. “Não é apenas uma pessoa física alugando para outra. Quase sempre estudantes se juntam para dividir os custos.”
Nesses casos, os pais costumam assinar o contrato para o filho ou se colocar como fiador. A sugestão, então, é que o documento preveja a sublocação e a solidariedade de obrigações entre os moradores, diz Daniela.
No apartamento em que vivem Camila Brandão, 20 anos, Elisa Aleva, 20 anos, e Roberta Bernardo, 21 anos, isso não ocorreu. O contrato está no nome do avô de Roberta e tem como fiador o pai de Elisa, mas a sublocação não é mencionada. Tampouco limitações sobre festas ou ruídos, além do que já consta na convenção do edifício.
As três estudam na Faculdade Cásper Líbero, a um quarteirão do imóvel. Juntaram-se após um semestre de idas e vindas diárias de suas cidades, Santos e Jundiaí. Desde então, dividem os R$ 3.076 mil de aluguel pelo apartamento de 100 m². As despesas mensais e também são compartilhadas.
Reclamação só receberam uma vez. É que Roberta faz aniversário em junho e decidiu fazer, na sala de casa, uma apresentação de quadrilha com 20 pessoas. “Foi só uma advertência, não precisamos pagar multa.” Elas têm como vizinho um professor da faculdade. “Ele é da mesma vibe, por isso não temos problemas”, diz Camila.
O estilo universitário do apartamento é notado pelos post-its e pôsteres nas paredes. “Mas a gente cuida de tudo com muito carinho”, afirma Roberta.
Quando Wladmir Guimarães perdeu o emprego, há cerca de 10 anos, sabia que seria difícil se recolocar no mercado. “Eu tinha acabado chegar aos 40, não conseguia encontrar nada novo”, conta. Foi então que alugou, pela primeira vez, um quarto em seu apartamento, em Higienópolis, onde ainda vive com a mulher e uma filha.
A localização do imóvel lhe era favorável. Nos arredores estão instituições como FAAP, Mackenzie e PUC, que recebem milhares de alunos todos os anos. Muitos deles vêm de fora e acabam buscando moradias próximas à universidade.
Hoje, o economista de formação aluga quatro quartos, cujos preços variam de R$ 900 a R$ 1.100, a depender do tamanho. Segundo ele, a convivência com os jovens é boa. “Como é para um quarto, não há muita rotatividade. Alguns ficam com a gente a graduação inteira.”Guimarães costuma divulgar as vagas em grupos de Facebook e nos murais das faculdades. Não exige contrato, apenas que o aluguel seja pago sempre com um mês de antecedência. Caso o aluno queira ir embora, basta avisá-lo previamente.
Embora nesses casos a relação entre dono e inquilino se torne muito próxima, é aconselhável firmar algum tipo de acordo formal, sugere a advogada Daniele Akamine. Assim, o proprietário se protege de eventuais danos. Também é recomendável fazer uma entrevista prévia, para verificar se o estilo de vida do estudante se encaixa ao da família.
O contrário também acontece: a estudante de Letras Heloisa Vilela, de 21 anos, buscava um local próximo à USP, mas não estava disposta a viver em repúblicas. “Eu tinha muito receio de ter problemas com meus colegas, principalmente com limpeza, porque sou muito organizada”, diz. A universitária paga R$ 600 por um quarto individual no Butantã.
Como os pais vivem em Santo André, no ABC paulista, e ela estuda à noite, problemas com a volta para casa eram comuns. “Já quase perdi o último trem. Uma vez, ele quebrou no meio do trajeto e tive que voltar de táxi, depois da meia noite.” Heloisa também não assinou contrato, mas porque já conhecia previamente a família com a qual foi viver.
Permitido. Com o proprietário dentro do imóvel, é improvável que a locação parcial possa ser questionada pela convenção do condomínio, afirma a advogada Daniela Cozzo. Ela lembra que o negócio não pode configurar hospedagem, mas que a linha, nesse caso, fica mais tênue. O motivo é que a limpeza do imóvel, por exemplo, costuma ser feita pelos donos ou por funcionários contratados, como faz Guimarães em seu apartamento. (O Estado de São Paulo)